quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

NÃO EXISTE “DIA COMUM” !


Uma realidade na vida das crianças, parece ser, que “cada instante é um novo momento”, sempre vislumbrando oportunidades para se alegrar, mormente na companhia de outras crianças. Infelizmente, com a idade, e o aumento de conhecimento e da experiência – que não se confunde com aumento  da sabedoria – a verdade pode ser bem outra: “mais um dia, e, tudo continua o mesmo”. Nestas condições seria mesmo inimaginável, e indesejável que isto não tivesse um fim algum dia!...
Numa vida como tal, repetitiva, sem sabor, o que chamamos de rotina, seja de trabalho, seja de vida ociosa, poderíamos encontrar uma evidência de “um dia comum”. Aqui cabe a pergunta: afinal, por que mudaríamos, aparentemente para pior? Talvez pela cosmovisão individualista e materialista da vida, onde o único valor é o lugar comum do interesse objetivante, dito racional.
É aí, neste contexto, que aparecem então os dias comuns, sem brilho, tudo no compasso da rotina. Possivelmente isto explique, também, a identificação dos avós com os netos, com quem relembramos os tempos de criança, sem dias comuns. Na realidade, um dia comum não deveria existir, bastando abrir o olhos e ver que é a miopia de nosso egocentrismo que nos faz  enxergá-lo como tal. E, assim como o avô, que é contagiado pelo dia incomum do neto, o que lhe permite sonhar junto os sonhos de toda criança, assim também seríamos envolvidos pelo dia incomum do próximo, e, que uma vez compartilhado, é uma garantia contra a monotonia da rotina.
Sonho que o poeta aproveitou para fazer uma denúncia grave:
“O sonho de toda criança é ter a certeza
Que o lixo e a rua não é o seu lugar.
O sonho de toda criança é ver uma mão estendida
Dizendo pra casa nós vamos, nós vamos voltar.”
(Trecho da música “O Sonho de Toda Criança, da Comunidade de Nilópolis)
Propiciar um dia incomum para o próximo podemos vislumbrar, na parábola de Jesus sobre “O Semeador”, que teve a seguinte paródia: “Certa criança caminhava pela estrada pedregosa que leva da infância à idade adulta, quando caiu nas mãos de exploradores. Estes tiraram dele a inocência e o induziram ao vício, deixando-o inseguro e insatisfeito. Casualmente, encontrou-o um ministro religioso  que afirmou não ter tempo de conversar, pois seus compromissos na Igreja estavam muito apertados. Igualmente um burocrata do serviço público, que, vendo-o, alegou não poder atendê-lo, pois estava fora do expediente de trabalho. Certo negociante, porém, um estrangeiro, viu-o com olhar inquieto e tristonho. Teve pena da criança e procurou acercar-se dela. Conversou com o menino, deu-lhe uma boa literatura, e, pondo-o no seu carro, convidou-o para ir até um albergue para recuperação de viciados. No dia seguinte, disse ao encarregado: preciso voltar às minhas tarefas; deixo aqui recursos para o custeio desse tratamento, por algum tempo. Peço que o menino seja orientado e cuidado. Voltarei para acertar contas e conversar com ele.”E a pergunta que não quer calar: “Quem dentre todos , te parece que se fez próximo do menino desorientado?. Quem lhe fez vivenciar um dia incomum? (adaptação de Julio Andrade Ferreira, com pequenas modificações).

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

EDIFICADOR DE PONTES


Alguém já disse, que muitas pessoas,  em boa parte do tempo, quando falam, estão apenas jogando palavras ao vento, sem nenhuma conseqüência, falando por falar, mas, na realidade, nada comunicando. Modernamente, com a participação da televisão, podemos acrescentar que estariam, apenas, repetindo chavões da mídia. O poder das palavras é, não obstante, destacado, quando se compara  a língua com um leme, capaz de dirigir um grande transatlântico, ou, com uma tocha de fogo capaz de incendiar uma floresta, assim como o autor bíblico: “... nós pomos freio nas bocas dos cavalos, para que nos obedeçam; e conseguimos dirigir todo o seu corpo.Vede também as naus que, sendo tão grandes, e levadas de impetuosos ventos, se viram com um bem pequeno leme para onde quer a vontade daquele que as governa... Vede quão grande bosque um pequeno fogo incendeia. A língua também é um fogo; ... “.
Aqui chamo de palavras grávidas aquelas que, juntamente com a expressão verbal, carregam subjacentes, pensamentos, sentimentos e emoções intencionadas, as quais, num espectro negativo são capazes de contaminar quem as pronuncia (“o que contamina o homem é o que sai da sua boca”), ou, por outro lado, positivamente, edificar aquele a quem é dirigida. Exemplos da primeira são a calúnia, as agressões verbais, que uma vez vocalizadas, são espalhadas pelo vento da discórdia, tornando praticamente impossível voltar-se atrás; e, da segunda uma palavra de estímulo, o elogio sincero. No dia-a-dia, todos já provamos o veneno de uma crítica injusta, na hora e no lugar errados, e, por outro lado, o bálsamo de uma palavra amiga, na hora e no lugar certos.
A dignidade das palavras é assinalada por Joshua Heschel (um de meus autores preferidos): “As palavras são mais que sinais, mais que combinação de letras. As letras são unidimensionais e só têm uma função: representar os sons. As palavras, pelo contrário, têm plenitude e profundidade, são multidimensionais. É verdade que usamos as palavras para representar as coisas ou como veículos de nosso pensamento e idéias, para nos comunicar com os outros...Distingamos entre substância e função, entre a natureza essencial de uma palavra e sua função, o modo de como nós a usarmos ...”.E destaca o uso das palavras na oração: “o caráter do ato da oração depende da relação recíproca entre a pessoa e a palavra. Não basta, por isso, articular uma palavra. A não ser que uma pessoa entenda que a palavra é mais forte que a vontade, a não ser que saibamos abordar a palavra com toda a alegria, toda a esperança e toda a tristeza que ela possui, dificilmente haverá oração. As palavras não devem cair de nossos lábios como folhas mortas de outono. Elas devem elevar-se como aves do nosso coração para o espaço infinito da eternidade. Quando o coração, cooperando com as forças da fé contra o tumulto e a ansiedade e o barulho exterior, consegue manter viva a tranqüilidade e a solidão interior, sentimos como as palavras podem ser grandes.”
Uma bela comparação para a importância das  palavras, encontro na imagem de um edificador de pontes; pontes pela qual transitamos ao nos comunicar. Por esta ponte das palavras, circulam além de pensamentos, as cargas das emoções e dos desejos associados. Ao compartilhá-la, o sábio pontifica: Tomo alguém pela mão e conduzo até a janela. Abro-a e aponto para fora. Não tenho ensinamento algum, mas conduzo um dialogo” (Martim Buber). Algumas palavras grávidas, depois,  passam a fazer parte do acervo comum da humanidade, tal como no discurso de Luther King: Eu tenho um sonho!”.
Finalmente, gostaria de também ser reconhecido, como prestador de serviço dentre os  edificadores de pontes, da amizade, da paz ( “felizes os pacificadores, porque assim, serão chamados filhos de Deus”).