terça-feira, 20 de maio de 2014

RAIVA QUE MATA E A DÁDIVA DA IRA


Por ira, neste texto, fazemos referência especificamente à emoção, puro sentimento, de desprazer, indignação, ou, exasperação, para com alguém, ou alguma coisa. Por raiva, circunscrevemos as manifestações de índole negativa, que consubstanciam as explosões de raiva, crises de fúria, expressões de cólera, etc. A raiva já foi descrita como “um sentimento de protesto, insegurança, ou frustração, contra alguém ou alguma coisa, que se exterioriza, quando o ego se sente ferido ou ameaçado; ou, como um sentimento de desprazer, hostilidade, indignação, ou exasperação extrema para com alguém ou alguma coisa”. Para o filósofo romano Sêneca, a ira e as frustrações ocorrem porque criamos uma expectativa de uma vida quase perfeita e nos surpreendemos tendo essas reações irracionais aos revezes. Ficaríamos mais tranquilos e preparados para a vida se fôssemos mais pessimistas, aceitando o mundo como ele é (com suas dificuldades inevitáveis), e não como gostaríamos que ele fosse”.
A praga da raiva. A raiva e o medo, que, frequentemente estão associadas, são, conjuntamente, responsáveis por grande parte daqueles momentos indesejáveis, que azedam o dia, ao se instalarem na consciência, monopolizando nossa atenção, levando cativo os pensamentos e as emoções, e obscurecendo a capacidade de julgamento da vontade. São momentos de agitação da alma, com a imaginação correndo solta, e, carregando nas tintas, fatos e fotos, ainda que distorcidos, que evocam situações de constrangimento. Especialistas “comparam com uma doença que vai corroendo de dentro para fora, e que causa diversos prejuízos físicos, mentais e espirituais para o próprio enfermo e para as pessoas que a este acompanham”. Também “a ira reprimida e conservada é uma emoção destrutiva e negativa que pode causar doenças físicas”. A duração da raiva, varia de uma irritação passageira, a um rancor prolongado; num termômetro imaginário da raiva, a temperatura vai num crescendo, de expressões como incomodado →  irritado → frustrado → exasperado →  desgostoso → ressentido → amargurado → oprimido. Os conflitos interpessoais e um ego inflado e contrariado, são os combustíveis mais comuns de uma crise de raiva, e, que pode ser provocada até por um amigo que nos contraria circunstancialmente. Ficamos também com raiva de nós mesmos, quando nossas expectativas se frustram. Ficamos com raiva da injustiça social à nossa volta, como também com as manifestações de violência da Natureza, como tsunamis, etc. Enfim, ficamos com raiva de Deus. Toda estas facetas caracterizam o que aqui chamamos  raiva (ira, cólera, e sentimentos afins) que mata.
A ira é essencialmente uma emoção, um sentimento, e, enquanto tal, não é  intrinsecamente nem má, nem boa. O que ocorre, é que esta emoção, frequentemente, é obscurecida e distorcida por causa da nossa velha natureza corrompida, ensejando desejos, exigências e expectativas egoístas (o que a Biblia chama de pecado). Também influem no modo como lidamos com a ira, os modelos de família que tivemos, os exemplos assimilados com outros, particularmente aqueles que estão mais próximos, e bem assim, nosso temperamento. Alimentadas e conformadas por este conjunto de influências, temos então  a gênese da raiva que mata, sendo a ira, a cólera e a fúria modulações desta raiva. Na Biblia usam-se três palavras para descrever a ira: thymos, orgé e parogismo. Thymos é um estado de grande agitação, uma explosão de indignação interior. Vem à tona rapidamente. Seu nome deriva do enfurecer-se e ferver da alma. O aspecto característico de thymos é que é muito violento, porém breve. Não é ira acumulada há muito tempo; é como fogo de palha, rapidamente aparece e rapidamente se vai. Thymos é uma palavra com potencial quase ilimitado para o bem e para o mal. Pode descrever uma qualidade sem a qual nenhum bom caráter pode florescer. Está também relacionado com a justa indignação diante do erro. É como a dinamite que pode ser bem usada para abrir caminho através de obstáculos por meio de explosões, ou para reduzir uma cidade a ruínas. Orgé é um estado mental definido ou permanente; aparece lentamente. Tem tendência vingativa e natureza duradoura, acalentando a lembrança do mal. Parogismo é uma forma mais forte de orgé. Traz a idéia de ressentimento justo e “tremer com forte emoção”. Irritação e exasperação.
A dádiva da ira. Nem toda ira é maligna, conforme evidencia-se da ira de Deus  que sempre é santa e pura, controlada e com um propósito justo, servindo antes para corrigir um erro, e que a Biblia também chama de pecado. Assim, podemos vislumbrar a ira santa de Jesus expulsando os vendilhões do Templo, ou, chamando os fariseus e seu discípulos de tolos. Nós também podemos sentir a ira justa. Expressões de ira santa na Biblia podemos encontrar no confronto entre Davi e Golias (Quem é, pois, este incircunciso filisteu, para afrontar os exércitos do Deus vivo?); ou, quando Moisés quebra as tábuas da Lei, em protesto contra a idolatria que se instalara entre o povo, enquanto o aguardavam; ou  Elias desafiando os falsos profetas de Baal. Este são alguns exemplos consubstanciando a dádiva da ira. Contudo, a Biblia nos adverte que, até mesmo a ira justa seja tardia em aparecer e rápida em desaparecer .
Todas nossa emoções, até mesmo a  ira, são dadas por Deus. Neste sentido, Ele nos deu a capacidade emocional para a ira. Mas, Deus não é responsável por nossas explosões de ira. Podemos escolher o que fazer com ela. Veja a pessoa que grita: você me deixa com tanta raiva que eu podia estrangulá-la!. Ela jamais diz: eu deixo a mim mesmo com tanta raiva que eu poderia estrangulá-la. Deus nos deu nossas emoções. Podemos usá-las para ajudar a nós mesmos e aos outros, ou, para magoar a nós mesmos e aos outros.
A necessidade de diferenciar entre ira (um sentimento) e raiva que mata (hostilidade, agressão, comportamento que se origina do sentimento). A Biblia nos adverte: Irai-vos, e não pequeis; não se ponha o sol sobre a vossa ira”(Efesios 4.26). A ira tem o potencial para levar-nos a pecar. O ponto crítico ocorre quando transformamos os sentimentos de ira, em atos agressivos e hostis, o que nos leva ao pecado. A segunda parte nos adverte que a ira, quando vem, deve ir logo.
A gravidade da ira. O senso comum julga sem maior gravidade pensamentos e as palavras proferidas, reservando a condenação apenas para os atos. Mas não assim Jesus, que nos adverte Ouvistes que foi dito aos antigos: Não matarás; mas qualquer que matar será réu de juízo.Eu, porém, vos digo que qualquer que, sem motivo, se encolerizar contra seu irmão, será réu de juízo; e qualquer que disser a seu irmão: Raca, será réu do sinédrio; e qualquer que lhe disser: Louco, será réu do fogo do inferno” (Mateus 5.21-26).A referência de Jesus é à ira injusta, à ira do orgulho, da vaidade, do ódio, da malícia e da vingança. Os escribas e fariseus estavam procurando restringir a aplicação do 6º Mandamento (Não matarás) apenas ao ato do homicídio. Mas Jesus discordou deles. A verdadeira aplicação incluía pensamentos e palavras, além de atos; cólera e insultos, além de homicídio. Quem disser a seu irmão, você raca (= tolo, imprestável, miserável, insensato) seu estúpido! você não vale nada... quem chamar seu irmão de idiota, imbecil. Estas coisa, pensamentos coléricos e palavras insultuosas talvez não levem nunca à consumação do ato homicida. Mas, diante de Deus, são equivalentes ao homicídio”. Jesus não advoga que a ira seja punida com a morte, mas ilustra, com essas palavras, quão sério era para ele esse pecado. A presença da ira indica a falta de amor. O amor ao próximo foi classificado como 2º Mandamento na ordem de importância. E, sendo a ira e o insulto tão sérios e tão perigosos, então devemos fugir deles como se fossem praga e tomar precauções o mais rapidamente possível.
A praticidade disto é destacada por Jesus, que, na sequência, apresentou uma ilustração com a pessoa que vai ao templo oferecer sacrifícios a Deus. Traduzindo em palavras atuais: “Se você estiver na igreja, no meio de um culto de adoração, e de repente se lembrar de que seu irmão tem um ressentimento contra você, saia da igreja imediatamente e vá fazer as pazes com ele. Não espere que o culto termine. Procure seu irmão e peça-lhe perdão. Primeiro vá reconciliar-se com o seu irmão, depois venha e ofereça sua adoração a Deus”. Esta é a ordem certa das coisas, mas,” com que raridade atendemos à chamada de Cristo para a ação imediata! “


Fonte: A ira, uma opção, Tim LaHaye; As obras da carne e o fruto do Espírito, William Barclay; Contracultura cristã, John Stott