sábado, 23 de janeiro de 2016

POR UMA FÉ DESCOMPLICADA




O senso comum que se tem de fé, é de uma forma de acreditar no que não vemos, ou, acreditar contra toda a probabilidade, como por exemplo, a crença numa cura milagrosa. Também a religião se definiria como a crença na existência de um poder ou princípio superior, sobrenatural, do qual depende o destino do ser humano e ao qual se deve respeito e obediência.
Dentre os céticos, a fé é um tipo de conhecimento menos verdadeiro, que aquele decorrente da razão, este corroborado pelo exame objetivo, como definido pela ciência. Por fim, há aqueles que propugnam pelo poder de exercitar a fé na Fé, assim como em “O Segredo” (“Você exerce um poder de atração sobre tudo o que acontece em sua vida. Os acontecimentos não vêm por acaso, mas como produto de causa e efeito. Portanto, o que você é e o que você faz atuam como um imã na sua vida, que atrai tanto coisas boas quanto coisas ruins”).
A fé cristã transcende o senso comum.  Uma forma descomplicada de entendê-la, é comparando-a com as etapas envolvidas no estabelecimento de uma relação significativa de amizade entre duas pessoas: 
1) primeiro, a pessoa adquire confiança e passa a acreditar de que vale a pena conhecer uma outra que lhe é ainda estranha, em particular graças aos esforços de quem conhece ambos, e, dá testemunho que o contato será proveitoso. Todos somos testemunhas de como facilita quando se é apresentado por um terceiro, amigo comum, ensejando oportunidade para baixamos a guarda da desconfiança natural do desconhecido;
2) na sequência, alguns relacionamentos desdobram-se em compromissos de confiança e lealdade para experimentar, juntas, desdobramentos afins da vida. Neste sentido, é essencial que haja mútua receptividade que levam a baixar as barreiras impostas pela falta de conhecimento até então. Este acontecimento pode, inclusive, envolver uma dolorosa ruptura de ilusões, porque a simulação e o fingimento devem ficar de lado, para que floresça a confiança mútua, e, tudo isto leva tempo. Ademais, as relação mais profundas nunca se ganham pelo esforço, senão, que são o resultado de um compartilhar mútuo que é espontâneo.
3)a partir daí, quando duas pessoas avançam para a comunhão, a distinção entre elas é mantida, mas há também um compartilhamento profundo de seus pensamentos, sentimentos e objetivos. Cada uma reconhece o pensamento ou sentimento como seu, embora saiba, com alegria, que o outro sente ou pensa da mesma forma. Mas quando a comunhão progride para a união, o sentido de “meu” e “teu”, com frequência, desaparece. O que passa a existir é apenas o “nosso” e, embora o “meu” continue significando o meu, ele já não implica “não teu”. Esta condição pode ser vista no casamento, quando os cônjugues se tornaram verdadeiramente um. Por isso, ainda, o casamento pode ser usado como imagem da relação entre Cristo e sua Igreja, e entre  a alma e Deus. “(Dallas Willard).
De forma similar, quando vista em sua totalidade, a fé pode ser descrita como o processo pelo qual formamos uma relação autêntica – pessoal - com Jesus Cristo, e, inclui os seguintes passos:
1) adquire-se confiança ao se crer que as asseverações de Cristo são acreditáveis, principalmente devido à qualidade do testemunho acerca delas do passado. A fé como confiança nos informes sobre Jesus Cristo, pode ser vista assim como a primeira etapa na fé, e inclui a disposição para ouvir o Evangelho, e escutar o testemunho daqueles que já entraram numa relação, dita salvífica, com Jesus Cristo.
2) sobre essa base, uma pessoa se compromete doravante, a confiar nEle nas várias situações da vida. Uma coisa é afirmar que as asseverações de Cristo durante os últimos dois mil anos são válidas, mas é algo muito distinto, dizer que eu confiarei nele, de hoje em diante, passe o que passar. Jesus estava confiante de que seu Pai amoroso providenciaria para as necessidades de seus filhos (Aqueles que têm pequena fé vivem em ansiedade, mas os que confiam em Deus têm a garantia de que Deus proverá para suas necessidades - Mt 6.25-34). Agora chegamos a uma segunda etapa crucial na qual nossa decisão é seguir sozinhos ou viver a vida com Cristo, escolher uma existência centrada em nós mesmos, ou, em Cristo.  Não há outra maneira de entrar numa relação significativa com outras pessoas a não ser que abramos espaço para elas dentro de nossas vidas; com Deus é o mesmo. “Uma vez que formamos uma relação sem reservas, nosso compromisso incondicional abre possibilidades enormes de crescimento. Quando este crescimento aberto começa a levar-se a cabo, seu fruto é a intimidade. A verdadeira intimidade é a meta mais alta de cada relação interpessoal significativa. Lográ-la não é questão de quanto tempo nem quanto têm compartido duas pessoas, senão de quão profundamente satisfazem as necessidades uma da outra. Não é uma questão de sentimentalismo senão de intensidade.”
3) da comunhão que resulta quando se põe a vida em Suas mãos, chega-se a uma identificação com Cristo, assim como expresso pelo apostolo Paulo:  ... e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim; e a vida que agora vivo na carne, vivo-a pela fé do Filho de Deus, o qual me amou, e se entregou a si mesmo por mim”. Gálatas 2:20.  Uma comunhão com Ele em amor que molda a estrutura mesma da personalidade, que permite que Ele viva através de nós no presente. É a essa união que vai além da comunhão, a que Paulo se refere quando afirma que os redimidos possuem a mente de Cristo, assim como quando nos exorta a termos essa mesma mente. Jesus orou, pedindo que os fiéis experimentassem essa união: “E eu dei-lhes a glória que a mim me deste, para que sejam um, como nós somos um”. João 17:22.
Conclusão. Quando vista em sua totalidade, a fé pode ser descrita como o processo pelo qual formamos uma relação autêntica – pessoal, honesta e crescente - com Jesus Cristo; inclui: a fé como confiança nos informes sobre Jesus Cristo; a fé como compromisso com a veracidade de Cristo; a fé como comunhão com a realidade de Cristo.
A fé pode ser vista ainda como nossa inclinação para Deus, como resposta à  inclinação amorosa de Deus para nós, que é graça.
A fé inscreve-se no propósito central da criação do homem, a saber, que fomos criados para sermos amigos de Deus e seus companheiros de trabalho (“Vocês mostram que são meus amigos quando fazem o que mando. Não os chamo de empregados, porque os empregados não entendem o que o patrão pensa ou planeja. Eu os chamo de amigos porque contei a vocês tudo que ouvi de meu Pai”. João 15:14,15; “Porque nós somos cooperadores de Deus...” 1 Coríntios 3:9).

P.S. A fé diz respeito à necessidade mais profunda da natureza humana: nem a ânsia de prazer (Freud), nem a ânsia de poder (Adler), nem ainda a ânsia de significado (Viktor Frankl), senão a ânsia de relacionar-se. Toda nossa fome de afeto, de reconhecimento, de significado, somente se satisfazem através da relação e, ao fazer que a fé seja central, essa é justamente a maneira com que as Escrituras dizem que podemos ser salvos. Podemos estar unidos ou não com a família ou os amigos, mas o evangelho declara que, com toda certeza, podemos estar unidos com Cristo. “


Fonte: La experiência cistiana de la salvacion, de William Hull.