domingo, 12 de fevereiro de 2012

A SABEDORIA DE ESCUTAR


A importância de escutar está implícita na metáfora desenvolvida e imortalizada pelo rabino Martim Buber, ao abordar a questão do relacionamento entre as pessoas. Segundo o mesmo, existe uma forma de encontro de pessoas vivas, se relacionando de modo a se conhecerem mutuamente; ambas se deixam influenciar através do dialogo, isto é pelo falar e escutar. A este tipo de relacionamento ele chama de Eu-Tu, para distinguir de um outro, mais próprio do relacionamento com um objeto, que por isso mesmo chama de Eu-Isso. Neste, a pessoa pode manipular o objeto. Ocorre que muitas vezes, tratamos as pessoas também desta forma objetivante, furtando-se ao encontro com o outro, eximindo-se portanto de escutá-la. Certamente que não se refere aqui a submeter-se à loquacidade daquele que só quer ter um ouvido à disposição, mas antes diz respeito ao anseio mais profundo das pessoas, em compartilhar aquilo que lhe é mais significativo. Ainda, segundo Buber, o mesmo se aplica ao nosso relacionamento com Deus.

O escutar permite-nos aprender com os outros, e inclusive, num efeito de sinergia, o conhecimento compartilhado pode ser mais do que a soma de conhecimentos de seus participantes. O escutar pode ser um serviço. O teólogo cristão Dietrich Bonhoeffer, destaca que “escutar é o primeiro serviço numa comunidade de fé. Portanto, é realizar a obra de Deus no irmão, quando aprendemos a ouvi-lo... Também existe a maneira de escutar a meio ouvido. A pessoa pensa que já sabe antecipadamente o que o outro tem a dizer. Isso é ouvir impaciente, desatencioso, que despreza o irmão... O sucesso de muitos psicólogos em nossos dias consiste exatamente na habilidade desenvolvida para escutar com seriedade, e saber que, muitas vezes, esta é a melhor maneira de ajudar alguém”.

Deus nos escuta. O mesmo teólogo destaca ainda que “é prova de amor de Deus para conosco que não apenas nos dá a sua Palavra, mas também nos empresta o seu ouvido“, fato este que a Biblia registra abundantemente.

Podemos também escutar Deus. O consagrado autor cristão Dallas Willard, em seu sugestivo livro “Ouvindo Deus”, registra que, dentre as muitas formas de ouvir Deus falar, uma das mais comuns é relatada na Biblia, numa conversa de Deus com seu profeta Elias:”Disse-lhe Deus: Sai e põe-te neste monte perante o SENHOR. Eis que passava o SENHOR; e um grande e forte vento fendia os montes e despedaçava as penhas diante do SENHOR, porém o SENHOR não estava no vento; depois do vento, um terremoto, mas o SENHOR não estava no terremoto;depois do terremoto, um fogo, mas o SENHOR não estava no fogo; e, depois do fogo, um cicio tranqüilo e suave”. É na forma de um cicio tranqüilo e suave – ou a voz interior ou interna, como também é chamada – que Deus costuma dirigir-se de forma individual aos que caminham com Ele em um relacionamento maduro e pessoal. É importante ter sempre em mente que a pessoa pode não ter consciência de estar ouvindo a voz, pois esta não precisa se estabelecer nos pensamentos. E também não é pré-requisito, para ouvir a voz, ter conhecimento de teorias ou doutrinas sobre ela. É ainda a que mais envolve as faculdades dos seres livres e inteligentes que se envolvem na obra de Deus, como seus colaboradores e amigos”. Remanesce a questão, “como podemos nos certificar de que estes não são apenas nossos próprios pensamentos? estudiosos falam dos três pontos de referência, também chamados de três lâmpadas, que podemos consultar para determinar o que Deus deseja que façamos. Essas lâmpadas são as circunstâncias, as impressões do espírito, e as passagens da Biblia. Quando as três apontam na mesma direção, sugere-se que tenhamos a certeza de ser aquela a direção que Deus planejou para nós.”

Ao longo da vida cristã, fiquei na expectativa de, um dia, ouvir Deus falar. Agora, pensando bem, consigo lembrar algumas oportunidades em que, hoje, creio, poderia ser Deus me falando. A sensação momentânea de agradável estranheza, e a percepção, ainda que a posteriori, de que algo incomum acontecera, é a marca que trago na memória. Acredito também, que esta deve ser uma experiência quase comum entre os cristãos.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

SER SENHOR OU ESCRAVO DE MEUS PENSAMENTOS: QUEM ESTÁ NO CONTROLE?


O RECURSO MAIS ESCASSO. Por ocasião da minha aposentadoria, um dos pensamentos que mais me fortalecia neste propósito, era utilizar mais plenamente o recurso mais escasso que dispunha doravante, a saber o tempo de vida, e, neste sentido, na medida das possibilidades, ocupar o tempo remanescente da melhor forma possível. Ocorre que nosso tempo de vida é ocupado por pensamentos, que no contexto, envolve intelecto, emoções e vontade, isto é, pensamentos que têm cores, sabores e odores. A importância de ter controle sobre os pensamentos é crítica, quando se considera que nossos pensamentos podem também controlar nossas vidas. Assim a qualidade da ocupação da mente é determinante da qualidade de vida, e como alguém já disse , “ você é o que você pensa”.

QUANDO NOSSOS PENSAMENTOS NOS CONTROLAM. Duas ilustrações: do “redemoinho ou turbilhão de pensamentos”, onde a mente desgovernada, fica inundada por pensamentos dispersivos, que deslizam sem parar; e, do buraco negro do pensamento único, recorrente, e obsessivo”, dos quais a mágoa, o medo e a raiva, são os exemplos mais evidentes. Sobre a mágoa, Fred Luskin em seu livro “O poder do perdão”, ilustra com a metáfora do controlador de vôo estressado: “imagine que suas mágoas não resolvidas são os aviões visualizados na tela, voando em círculos há dias e semanas sem fim. A maioria dos outros aviões já pousaram, mas suas mágoas não-resolvidas continuam a ocupar um precioso espaço aéreo, exaurindo os recursos necessário em caso de emergência... As mágoas são os aviões que não pousarão. Eles enchem por inteiro sua tela, ocupam sua mente e, em especial, dificultam que você aprecie as coisas da sua vida que são maravilhosa”. O mesmo também vale para a raiva e o medo. Estas imagens, muito ricas de imaginação, apontam para perigos a que estamos constantemente expostos, a saber, ter a mente mal ocupada, à mercê de tudo que, desordenadamente lhe passa pela consciência, ou bem assim, pré-ocupada compulsivamente, com uma idéia dominante, que rigorosamente lhe cega e aprisiona. Ambas conjunturas nos roubam as oportunidades de desfrutar daquilo que é o recurso mais precioso e escasso que temos, o tempo de vida. Uma outra característica comum destes estados equivocados de atenção, é sua natureza acelerada, fazendo com que estejamos compulsivamente, crescentemente, ocupados e preocupados. São, por assim dizer, vampiros ocupacionais de nosso tempo de vida.

QUANDO CONTROLAMOS NOSSOS PENSAMENTOS. Um recurso poderoso é fazê-los passar por filtros de pensamentos: “filtro do que é verdadeiro - isso significa que os nossos pensamentos devem corresponder aos fatos. Se houver alguma dúvida sobre a veracidade dos fatos, devemos imediatamente abandonar esse pensamento; filtro do que é respeitável - nem sempre a verdade irá nos inspirar respeito; para ser respeitável, uma verdade precisa estar inserida no território das atitudes e das motivações corretas; filtro do que é justo - contrapõe-se ao pensamento discriminatório, que faz distinção a favor ou contra uma pessoa com base no grupo ou classe à qual ela pertence, em detrimento dos próprios méritos; filtro do que é puro - a vida impura já foi comparada com uma mancha capaz de desfigurar o ser humano tal como uma doença; filtro do que é admirável - os pensamentos admiráveis são aqueles que podem ser escritos na sua testa, sem que você fique constrangido ou envergonhado por todos os estarem lendo; filtro do que é amável - ser amável é ser digno de ser amado; que procura agradar; delicado, atencioso, desejar o bem para os outros”. Outras providências afins: resguardando-nos do lixo mental – a importância de controlar o que entra na mente acentua a oportunidade de ser mais seletivo quanto ao objeto de atenção no momento, o que já reduziria bastante o trabalho de filtrar, com destaque para o poder avassalador da mídia na atualidade; e, o principio da substituição - “substituir formas erradas de pensar por formas corretas. É um processo que se dá de pensamento em pensamento, requerendo atenção e disciplina diárias. Temos de aprender a ouvir os nossos pensamentos e a nos tornarmos bem conscientes deles o tempo todo. Acompanhar bem de perto como se processam esses pensamentos, o que exige disciplina. Pode ser comparado com uma batalha, e quanto mais tempo permito que essa luta com um pensamento errado persista, maior é a probabilidade de acabar tomando a decisão errada.”

Ocupando com sabedoria o tempo de vida: “... tudo o que é verdadeiro, tudo o que é honesto, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se há alguma virtude, e se há algum louvor, nisso pensai”. (Apostolo Paulo).