quarta-feira, 23 de outubro de 2013

O PRAZER DO PERTENCIMENTO


Pertencer a um ou mais grupos de referência, não mutuamente exclusivos, é uma condição natural do ser humano, e motivo de prazer em nosso dia-a-dia. Faz parte do fenômeno da sociabilidade, a dimensão social característica do ser humano, e que traduz-se na nossa propensão para viver junto com os outros, e, comunicar-se, tornando-nos participantes das mesmas experiências e dos mesmos desejos, convivendo com outros as mesmas emoções.
Assim por exemplo, pertencer a uma torcida organizada de algum time de futebol está entre os destaques na atualidade, com cada vitória do nosso time sendo motivo de muita celebração coletiva. Pertencer a um determinado país, eventualmente é fonte de prazer, mormente quando estamos longe, o que se reproduz quanto à cidade e o estado em que nascemos. Num círculo mais próximo, podemos pertencer aos quadros de pessoal de uma renomada empresa, o que nos envaidece, e, é motivo de todo um desenvolvimento profissional. Ainda guardo com carinho um quadro singelo, comemorativo dos cinquenta anos da Eletrobrás, empresa pública, holding do Setor Elétrico Brasileiro, onde consta também nosso nome, em meio a todos os funcionários à época. Estamos também sempre envolvidos com grupos de amigos, formados ao longo da vida, onde se incluem aqueles, desde a infância, juventude, faculdade e trabalho, parceiros e/ou testemunhas solidárias de nosso jornadear de vida, e, que logo associamos com lembranças indeléveis de tempos passados e presente. Certamente que pertencemos a uma família, onde normalmente se constituem vínculos fortes e duradouros, que resistem mesmo à distância física. Nada substitui o lugar ocupado pelos laços de sangue, não obstante todos os ataques modernos que ensejam famílias desestruturadas pelos reveses da vida. Existe também um pertencimento ligado à menor célula da sociedade, que é a formada pelos conjugues, e, que pode ser emoldurada por declarações do tipo “eu sou da minha amada, e ela é minha”, e vice-versa.
Ocorre que também o próprio Deus tem prazer neste pertencimento. Assim, a essência do evangelho, é o anuncio dado pelo Anjo: “eis aqui vos trago boa-nova de grande alegria, que o será para todo o povo; é que hoje vos nasceu, na cidade de Davi, o Salvador, que é Cristo, o Senhor”. Comentando o assunto, Lutero chama a atenção para que este é na verdade a essência dos Evangelhos, que é uma boa notícia, isto é, um presente maravilhoso de Deus. É uma dádiva gloriosa – uma criança, um filho! É uma dádiva pessoal – Ele nos foi dado, nos pertence, a todos nós! Nasceu para o nosso bem, e, com Ele tudo que ele conquistou na Terra é direito nosso, é nossa herança! Por isso a pregação se chama evangelho, o que significa uma boa noticia, que difunde alegria e consolo.
Em contrapartida a este pertencimento divino, também muitos, dentre os quais nos incluímos, pertencemos à família da fé, que traz um componente novo, qual seja a dimensão sobrenatural, institucionalizada na comunidade religiosa (a igreja). Batista Mondim, assim comenta este pertencimento: “No cristianismo, a dimensão social adquire um horizonte infinitamente mais vasto e profundo, porquanto ultrapassa os confins do tempo e abrange também a eternidade. No cristianismo, além da sociabilidade fundada sobre a razão, dá-se também uma sociabilidade baseada na graça: essa estabelece entre os crentes uma comunhão de vida, de intenções, de amor totalmente aplicada para fazer deles um só “corpo”, o “corpo místico de Cristo”. Os homens formam uma só familia, porque são filhos de um mesmo pai, Deus, e irmãos do Filho de Deus que se fez homem, Jesus Cristo”. E, este autor, cita ainda Santo Agostinho em sua abordagem da nossa dupla condição: de pertencermos à civitas terrena (cidade terrena,) e, simultaneamente, sermos cidadãos da civitas dei (cidade de Deus). Ocorre que enquanto a cidade de Deus, se fundamenta no amor de Deus, um amor de tal modo altruísta que não tema chegar ao sacrifício total de si mesmo, da própria vida, a cidade terrena é fundamentada no amor próprio, um amor totalmente cego, egoísta que chega até o ponde de desprezar e renegar a Deus.
Pertencer ao “Corpo místico de Cristo” deve estar no ápice do prazer do pertencimento. Deus deu Cristo à Igreja para Ele ser o cabeça de todas as coisas, e, muito particularmente colocou a Igreja como o “corpo místico de Cristo”. O Corpo porém só é formado quando muitos membros que têm o mesmo Espírito de Deus por dentro, se unem, e unindo uns aos outros formam o corpo. Por dentro temos, então, o Espírito, e por fora temos o Corpo (a igreja, relacionamentos, ...). Esta bela metáfora bíblica destaca então nosso pertencimento mútuo, e bem assim, a Deus, qual um corpo, sobre o qual o apostolo Paulo elabora: “Cristo é como um corpo, o qual tem muitas partes. E todas as partes, mesmo sendo muitas, formam um só corpo. Assim, também, todos nós, ..., fomos batizados pelo mesmo Espírito para formar um só corpo. E a todos nós foi dado de beber do mesmo Espírito. Pois o corpo não é feito de uma só parte, mas de muitas. Se o pé disser: “Já que não sou mão, não sou do corpo”, nem por isso deixa de ser do corpo. Se o ouvido disser: “Já que não sou olho, não sou do corpo”, nem por isso deixa de ser do corpo.Se o corpo todo fosse olho, como poderíamos ouvir? E, se o corpo todo fosse ouvido, como poderíamos cheirar?  Assim Deus colocou cada parte diferente do corpo conforme ele quis.  Se o corpo todo fosse uma parte só, não existiria corpo.  De fato, existem muitas partes, mas um só corpo.  Portanto, o olho não pode dizer para a mão: “Eu não preciso de você.” E a cabeça não pode dizer para os pés: “Não preciso de vocês.” O fato é que as partes do corpo que parecem ser as mais fracas são as mais necessárias,  e aquelas que achamos menos honrosas são as que tratamos com mais honra. E as partes que parecem ser feias recebem um cuidado especial, que as outras mais bonitas não precisam. Foi assim que Deus fez o corpo, dando mais honra às partes menos honrosas. Desse modo não existe divisão no corpo, mas todas as suas partes têm o mesmo interesse umas pelas outras. Se uma parte do corpo sofre, todas as outras sofrem com ela. Se uma é elogiada, todas as outras se alegram com ela.Pois bem, vocês são o corpo de Cristo, e cada um é uma parte desse corpo.”