“Ter e Ser” como dois modos diferentes de existir, juntamente com “Eu-Tu e Eu-Isso” como duas formas de relacionamentos
entre duas pessoas, e entre uma pessoa e uma coisa, respectivamente, são relações notáveis, pelo poder de síntese
em expressar aspectos vitais da condição humana.
O psicanalista, sociólogo, e filosofo, Erich Fromm em seu livro “Ter e Ser” apresenta estas, como duas formas
fundamentais de existência; são duas
maneiras diversas de orientação de si mesmo, e, em relação ao mundo que nos
rodeia; são duas diferentes espécies de estrutura de caráter cujas respectivas
predominâncias determinam a totalidade do pensar, sentir e agir de uma pessoa.
No modo ser de existência domina a experiência viva que é
inefável, e indefinivel. Esta não pode ser consumida, comprada ou adquirida como os
objetos do ter, mas apenas praticada, exercitada, feita.
No modo ter de
existência, meu relacionamento com o
mundo é de pertença e posse, e quero ter cada vez mais; minha inclinação
é voltada egoísticamente só para mim mesmo, meus interesses, meus desejos e
necessidades, mesmo que se realizem em detrimento dos outros. Ter é uma função normal de nossa vida, e, a
questão deixa de ser se a pessoa tem algo, mas se ela é dominada pelo desejo de
posse, e se, se dedica de corpo e alma ao que tem ou não. E, não há quase nada
que não possa vir a ser objeto do desejo de posse: coisas materiais, mas,
também fixamos nossa vivência no modo ter, relacionado a virtudes e valores, como
em ter honra, ter prestígio, ter determinada imagem, etc.
A diferença
entre os modos ter e ser, pode ser ilustrada, por exemplo, em relação ao
conhecimento, e, expressa-se em duas formulações: tenho conhecimento
(substantivo, que indica algo perfeitamente definido) e conheço (verbo, que
indica ação). Ter conhecimento é tomar e conservar posse de conhecimento
disponível (informação); conhecer pelo contrário, significa penetrar através da
superfície a fim de chegar às causas, significa ver a realidade em sua nudez. O
conhecimento ideal no modo ser é conhecer mais profundamente; no modo ter é ter
mais conhecimento. Diferentemente dos objetos do ter, cuja quantidade diminui
quando utilizados, as realidades do modo ser, como o amor, crescem e aumentam
quanto mais repartidos e empregados.
A inclinação
dominante ao modo ter, em detrimento do ser, é característica da sociedade
industrial ocidental, na qual a avidez por dinheiro, fama, e poder tornou-se o
tema dominante da vida. Os consumidores modernos podem identificar-se pela
fórmula: eu sou = o que tenho e o que consumo. É neste contexto atual, que o dinheiro, símbolo máximo de
sucesso no modo ter de existir, assume as proporções de um deus, isto é, o foco
onde se põe o coração, e, que é a forma
de idolatria mais comum na atualidade.
Outro filosofo, e rabino
Martim Buber, deu ênfase à ideia de que não há existência sem comunicação e diálogo. “As palavras-princípio, Eu-Tu, Eu-Isso, demonstram as duas dimensões da
filosofia do diálogo que, segundo Buber, dizem respeito à própria existência.
Eu-tu é um encontro de
pessoas vivas se relacionando de modo a se conhecerem melhor, umas às outras; eu me deixo influenciar através do diálogo; ela se torna um
tu. Minhas próprias mudanças dependem deste relacionamento.
Por outro lado, há
diversos modos de existência caracterizada pela atitude Eu-Isso, que se resumem em dois conceitos: experiência e a utilização ou uso. A experiência
estabelece um contato na estrutura do relacionamento, de certo modo
unidirecional entre um Eu, e um objeto manipulável; ao tomar a atitude Eu-Isso
o Eu não se volta para o outro, mas encerra em si toda a iniciativa da ação. Por
exemplo, "Eu considero uma árvore", diz Buber. Ela é meu objeto, um Isso.
O relacionamento Eu-Isso, é indispensável para a vida humana. Sem ele, seria
inviabilizada a possibilidade de se assegurar a continuidade da vida humana,
suprindo as necessidades vitais por meio de toda uma variada gama de atividades
técnicas, econômicas, institucionais, jurídicas, etc. A relação Eu-Isso não é
nunca, em sí, um mal. Mas o mal pode residir na escravidão humana a essa
atitude, apagando da face do homem a resposta responsável, a disponibilidade
para o encontro com o outro. O homem precisa do mundo do Isso para viver, mas
quem vive somente a relação Eu-Isso se desumaniza. Se analiso outra pessoa, ou
a utilizo como objeto, para mim ela é um simples isso. Passo a querer manipulá-la
como um objeto para o meu prazer. Em nossa época a relação eu/isso sobrepujou e
dominou, de modo praticamente incontestado, a vida e as suas normas. Portanto,
não existe mais dialogo. É este silêncio do dialogo eu-tu que constitui a
tragédia do nosso mundo, a causa do fracasso da sociedade e da personalidade
humana.”
Para Martim Buber, a relação Eu-Tu, deveria ser, a rigor, o
relacionamento privilegiado, não só entre homem e homem, mas também, entre o
homem e Deus: “O homem deve encontrá-Lo
existencialmente, e não apenas intelectualmente...“. E, Santo Agostinho pontifica:“Tu me
fizestes para ti mesmo e nossos corações não encontram paz até que descansem em
Ti”.
Nós cristãos,
cremos que fomos criados como imagem e semelhança de Deus, para
sermos companheiros de Deus, numa jornada de vida, que é eterna, e, nesta
condição, desfrutar de um relacionamento pessoal com Deus, do tipo Eu-Tu (a
quem, reverentemente, chamamos, de Nosso Senhor e Pai Nosso), marcado pelo
amor, que transborda para os outros, e, bem assim, empenhar-se pelo Reino de
Deus.
Fontes: “Ter ou Ser”,
de Erich Fromm, e, “Eu e Tu”, de
Martin Buber.
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