quarta-feira, 19 de novembro de 2014

RELAÇÕES NOTÁVEIS


Ter e Ser como dois modos diferentes de existir, juntamente com “Eu-Tu e Eu-Isso como duas formas de relacionamentos entre duas pessoas, e entre uma pessoa e uma coisa, respectivamente, são relações notáveis, pelo poder de síntese em expressar aspectos vitais da condição humana.
O psicanalista, sociólogo, e filosofo, Erich Fromm em seu livro “Ter e Ser” apresenta estas, como duas formas fundamentais de existência; são duas maneiras diversas de orientação de si mesmo, e, em relação ao mundo que nos rodeia; são duas diferentes espécies de estrutura de caráter cujas respectivas predominâncias determinam a totalidade do pensar, sentir e agir de uma pessoa.
No modo ser de existência domina a experiência viva que é inefável, e indefinivel. Esta não pode ser consumida, comprada ou adquirida como os objetos do ter, mas apenas praticada, exercitada, feita.
No modo ter de existência, meu relacionamento com o mundo é de pertença e posse, e quero ter cada vez mais; minha inclinação é voltada egoísticamente só para mim mesmo, meus interesses, meus desejos e necessidades, mesmo que se realizem em detrimento dos outros. Ter é uma função normal de nossa vida, e, a questão deixa de ser se a pessoa tem algo, mas se ela é dominada pelo desejo de posse, e se, se dedica de corpo e alma ao que tem ou não. E, não há quase nada que não possa vir a ser objeto do desejo de posse: coisas materiais, mas, também fixamos nossa vivência no modo ter, relacionado a virtudes e valores, como em ter honra, ter prestígio, ter determinada imagem, etc.
A diferença entre os modos ter e ser, pode ser ilustrada, por exemplo, em relação ao conhecimento, e, expressa-se em duas formulações: tenho conhecimento (substantivo, que indica algo perfeitamente definido) e conheço (verbo, que indica ação). Ter conhecimento é tomar e conservar posse de conhecimento disponível (informação); conhecer pelo contrário, significa penetrar através da superfície a fim de chegar às causas, significa ver a realidade em sua nudez. O conhecimento ideal no modo ser é conhecer mais profundamente; no modo ter é ter mais conhecimento. Diferentemente dos objetos do ter, cuja quantidade diminui quando utilizados, as realidades do modo ser, como o amor, crescem e aumentam quanto mais repartidos e empregados.
A inclinação dominante ao modo ter, em detrimento do ser, é característica da sociedade industrial ocidental, na qual a avidez por dinheiro, fama, e poder tornou-se o tema dominante da vida. Os consumidores modernos podem identificar-se pela fórmula: eu sou = o que tenho e o que consumo. É neste contexto atual, que o dinheiro, símbolo máximo de sucesso no modo ter de existir, assume as proporções de um deus, isto é, o foco onde  se põe o coração, e, que é a forma de idolatria mais comum na atualidade.
Outro filosofo, e rabino Martim Buber, deu ênfase à ideia de que não há existência sem comunicação e diálogo. “As palavras-princípio, Eu-Tu, Eu-Isso, demonstram as duas dimensões da filosofia do diálogo que, segundo Buber, dizem respeito à própria existência.
Eu-tu é um encontro de pessoas vivas se relacionando de modo a se conhecerem melhor, umas às outras; eu me deixo influenciar através do diálogo; ela se torna um tu. Minhas próprias mudanças dependem deste relacionamento.
Por outro lado, há diversos modos de existência caracterizada pela atitude Eu-Isso, que se resumem em dois conceitos: experiência  e a utilização ou uso. A experiência estabelece um contato na estrutura do relacionamento, de certo modo unidirecional entre um Eu, e um objeto manipulável; ao tomar a atitude Eu-Isso o Eu não se volta para o outro, mas encerra em si toda a iniciativa da ação. Por exemplo, "Eu considero uma árvore", diz Buber. Ela é meu objeto, um Isso. O relacionamento Eu-Isso, é indispensável para a vida humana. Sem ele, seria inviabilizada a possibilidade de se assegurar a continuidade da vida humana, suprindo as necessidades vitais por meio de toda uma variada gama de atividades técnicas, econômicas, institucionais, jurídicas, etc. A relação Eu-Isso não é nunca, em sí, um mal. Mas o mal pode residir na escravidão humana a essa atitude, apagando da face do homem a resposta responsável, a disponibilidade para o encontro com o outro. O homem precisa do mundo do Isso para viver, mas quem vive somente a relação Eu-Isso se desumaniza. Se analiso outra pessoa, ou a utilizo como objeto, para mim ela é um simples isso. Passo a querer manipulá-la como um objeto para o meu prazer. Em nossa época a relação eu/isso sobrepujou e dominou, de modo praticamente incontestado, a vida e as suas normas. Portanto, não existe mais dialogo. É este silêncio do dialogo eu-tu que constitui a tragédia do nosso mundo, a causa do fracasso da sociedade e da personalidade humana.”
Para Martim Buber, a relação Eu-Tu, deveria ser, a rigor, o relacionamento privilegiado, não só entre homem e homem, mas também, entre o homem e Deus: “O homem deve encontrá-Lo existencialmente, e não apenas intelectualmente...“. E, Santo Agostinho  pontifica:Tu me fizestes para ti mesmo e nossos corações não encontram paz até que descansem em Ti”.
Nós cristãos, cremos que fomos criados como imagem e semelhança de Deus, para sermos companheiros de Deus, numa jornada de vida, que é eterna, e, nesta condição, desfrutar de um relacionamento pessoal com Deus, do tipo Eu-Tu (a quem, reverentemente, chamamos, de Nosso Senhor e Pai Nosso), marcado pelo amor, que transborda para os outros, e, bem assim, empenhar-se pelo Reino de Deus.

Fontes: “Ter ou Ser”, de Erich Fromm, e, “Eu e Tu”, de Martin Buber.