sábado, 19 de setembro de 2015

O QUE HÁ DE ERRADO COM O MUNDO ?




Uma foto que pesou mais do que milhões de palavras e discursos, mostra de forma inequívoca, que há algo de muito errado no mundo. A foto mostra o corpo sem vida de uma criança, boiando numa praia, após uma tentativa frustrada de sua família de fugir da morte, e das atrocidades de terroristas que assolam o País, e que impactou meio mundo, derretendo corações até então insensíveis, protegidos dentro das fronteiras de seus respectivos países, mais ou menos distantes do cenário onde se desenrola o drama dos refugiados sírios. Valeu a comoção pública mundial, ainda que tardia, pois revela que, por baixo desta camada de aparente insensibilidade e pragmatismo personalista, ainda há corações capazes de irem além das lágrimas!
Poderia ter sido mais um flash que acompanha as tristes estatísticas, infelizmente comuns e crescentes em nossos dias, objeto de noticiários que diariamente nos invadem a atenção e, que de tão frequentes, chegam quase a insensibilizar consciências, com o argumento que é mais um problema de outros, e, já temos os nossos. Neste contexto a reportagem da Veja destaca que somente neste ano, cerca de 2.600 pessoas morreram tentando chegar à Europa pelo mar, das mais de 300.000 que encararam a travessia. Nos últimos dias, as multidões atravessando fronteiras com pouco mais do que a roupa do corpo em trens,  a pé ou de bicicleta...” (1). Também a revista Ultimato, em sua edição de setembro/outubro de 2015, mostra o nº expressivo de pessoas deslocadas com guerra no Mundo, que, elevou-se de 37,5 milhões em 2005, para 43,7 milhões em 2010, 59,5 milhões em 2014.
Do outro lado, a recepção beligerante de alguns, nos países de destino almejado pelos refugiados, fruto de um raciocínio pragmático e frio: “Os que sobreviveram à travessia não são bem-vindos na Europa. Eles são muitos. São pobres. Muito diferentes. São até vistos como ameaça: “Os que estão chegando cresceram em outra religião e representam um cultura radicalmente diferente. A maioria deles não é cristã, mas muçulmana. A Europa tem uma identidade enraizada no cristianismo” (Viktor Orban, Primeiro-Ministro da Hungria) (1). Por oportuno, uma das bandeiras de um candidato em evidência nas pesquisas, para a próxima eleição presidencial nos EUA, é ostensivamente restritiva em relação aos imigrantes ditos ilegais, e que, se eleito, já “deixou claro que rescindirá as ordens executivas ... que impedem a expulsão tanto dos jovens imigrantes ilegais que chegaram ao país sendo crianças (os chamados "dreamers", ou "sonhadores"), como os pais de cidadãos americanos ou de filhos com status legal”.
Por fim uma ponderação nua e crua, do articulista, na referida revista: “Os europeus têm boas razões para reagir defensivamente. Os imigrantes não têm alternativa. A situação em que os dois lados de um conflito possuem razões legítimas e lutam para impô-las à força tem o nome de tragédia” (1). E aqui, complementamos, nesta situação onde aparentemente todos têm razão, e, por outro lado, ninguém é indesculpável, o Mal encontra terreno propício onde deita raízes.
A questão de fundo, que procura envolver Deus, e que também foi destaque na Capa da citada revista - “Deus, sendo bom, fez todas as coisas boas. De onde então vem o mal? (Santo Agostinho, nas Confissões). O mal (e o bem) vem do homem? (Czeslaw Milosz, Poeta Polonês ganhador do Nobel de Literatura) (1)
Teodiceia, palavra que se deriva de dois vocábulos gregos que significam “divindade” e “justiça”, diz respeito à discussão do problema da existência do  e de sua relação com a bondade de Deus. Ele pode ser expresso num dilema famoso: ou Deus é capaz de impedir o mal e não o quer, ou Ele quer impedi-lo e não é capaz. Se o anterior for verdade, Deus não é misericordioso; se o último, Ele não é onipotente. Outra versão similar: Se Deus é perfeitamente bom, Ele tem a vontade de remover o mal. Se Deus é perfeitamente poderoso, Ele é capaz de remover o mal. Mas, como o mal não tem sido removido, ou Deus não tem vontade ou é incapaz de remover o mal. Portanto, ou Deus não é perfeitamente bom, ou Ele não é perfeitamente poderoso”.
Alinhado com esta última, destacamos a concepção do escritor consagrado Harold Kushner, que “servindo como rabino de uma pequena cidade, sempre envolvido em levar consolo às pessoas visitadas pela dor e pelo sofrimento, no instante, em que soube que seu filho Aaron, de três anos de idade, morreria de uma doença rara no início da adolescência, ele se deparou com a mais importante e mais terrível questão que alguém pode enfrentar: “Por que coisas ruins acontecem às pessoas boas?”, e que ensejou seu livro bestseller (2). O que ele propõe é que, “Não é Deus que causa a tragédia, a doença, o sofrimento. Existe uma “aleatoriedade” no universo e a natureza é moralmente cega. Um terremoto não distingue entre pessoas boas e ruins. Nem o câncer. Nem o derrame cerebral. Nem a progéria. Não são “atos de Deus”.  Deus nos dá força, coragem e paciência para enfrentarmos os golpes da vida. Deus não é nosso adversário, mas sim nosso aliado. Deus é a fonte do nosso poder de suportar, nossa capacidade de superar e nossa determinação de continuar” (2).
Uma resposta fundamentada na Biblia, e que compartilhamos, tem como postulados: “Deus é absolutamente bom; Deus é absolutamente soberano; O Mal é absolutamente mau.
De onde vem então o mal? Como veio a existir o mal? Quais são suas origens primeiras? Porque existe o mal? tudo não poderia ser feito sem a possibilidade do mal? As respostas para tais questões não são encontradas na Biblia. O mistério permanece oculto. O mal não está lá para ser entendido, mas para ser resistido e, no final, expulso. O livro de Genesis (cap. 3) não nos fala sobre a origem do mal em si. Em vez disso, descreve a entrada do mal na vida e na experiência humana. O mal parece irromper na narrativa bíblica já estabelecido, sem explicações ou racionalização.
A Biblia nos compele então a aceitar o mistério da existência do Mal, um mistério que nós, seres humanos não podemos entender ou explicar. Temos que nos habituar com o entendimento de que Deus escolheu não explicar a origem do mal; em vez disso, escolheu chamar minha atenção para aquilo que Ele tem feito para lutar contra o mal e destrui-lo.
Será que devemos então simplesmente engolir perguntas desesperadas, aceitar que o mal é um mistério e calar a boca? Certamente que faremos mais do que isso:
  • Nós nos afligiremos; prantearemos, lamentaremos, protestaremos, gritaremos de dor e raiva, e clamaremos “até quando esse tipo de coisa vai continuar?
  • Lutaremos contra ele com lamento, aflição, raiva, desgosto, e protesto.
A Biblia permite que lamentemos, protestemos e fiquemos irados diante da ofensividade do mal. A Biblia nos determina a combatermos o mal, rejeitarmos o mal e resistirmos a ele. A Biblia nos ensina a orarmos para que Deus nos livre do mal.”
Se a causa primária, a origem do mal, não está ao nosso alcance conhecer já, não obstante, é bem conhecida a causa imediata dos males morais, isto é, daqueles que decorrem do mal uso do livre arbítrio (liberdade de fazer a nossa vontade):o pecado ou a rebelião contra Deus; pecado é essencialmente fazer algo em detrimento da vontade de Deus. Neste sentido, a maioria do sofrimento é resultado do pecado e da maldade humanos. Esta é a dimensão moral do mal, em que os seres humanos sofrem em termos e circunstâncias amplas porque são pecadores. O mal moral seria o sofrimento e a dor que encontramos no mundo, e que está de alguma forma relacionado com a maldade dos seres humanos, direta ou indiretamente. Esse é o mal visto em coisas que são ditas e feitas, coisas que são perpetradas, causadas ou empreendidas pela ação (ou falta de ação) no contexto da vida e da história da humanidade.” (3)
“Quando o jornal London Times solicitou a diversos escritores que mandassem ensaios sobre o assunto “O que há de errado com o mundo?”, Chesterton (4) respondeu mandando a carta mais curta e direta de todas:
“Prezados Senhores
Eu.
Atenciosamente G.K. Chesterton



(1) Veja, de 09 de setembro de 2015
(2) “Quando coisas ruins acontecem às pessoas boas”, de Harold Kushner.
(3) “O Deus que eu não entendo”, de Christopher J.H. Wright
(4) Chesterton, 1874-1936, renomado escritor, poeta, narrador, ensaísta, jornalista, historiador, biógrafo, teólogo, filósofo, desenhista e conferencista britânico