Por ira, neste texto, fazemos
referência especificamente à emoção, puro sentimento, de desprazer, indignação,
ou, exasperação, para com alguém, ou alguma coisa. Por raiva, circunscrevemos
as manifestações de índole negativa, que consubstanciam as explosões de raiva,
crises de fúria, expressões de cólera, etc. A raiva já foi descrita como “um sentimento de protesto, insegurança, ou frustração, contra alguém ou alguma
coisa, que se exterioriza, quando o ego se sente ferido ou ameaçado; ou, como um sentimento de desprazer, hostilidade, indignação, ou exasperação
extrema para com alguém ou alguma coisa”. Para o filósofo romano Sêneca, a ira e as frustrações ocorrem porque
criamos uma expectativa de uma vida quase perfeita e nos surpreendemos tendo
essas reações irracionais aos revezes. Ficaríamos mais tranquilos
e preparados para a vida se fôssemos mais pessimistas, aceitando o mundo
como ele é (com suas dificuldades inevitáveis), e não como gostaríamos que ele
fosse”.
A praga da raiva. A raiva e o medo, que, frequentemente estão associadas, são,
conjuntamente, responsáveis por grande parte daqueles momentos indesejáveis, que
azedam o dia, ao se instalarem na consciência, monopolizando nossa atenção,
levando cativo os pensamentos e as emoções, e obscurecendo a capacidade de
julgamento da vontade. São momentos de agitação da alma, com a imaginação
correndo solta, e, carregando nas tintas, fatos e fotos, ainda que distorcidos,
que evocam situações de constrangimento. Especialistas
“comparam com uma doença que vai corroendo de dentro para fora, e
que causa diversos prejuízos físicos, mentais e espirituais para o próprio
enfermo e para as pessoas que a este acompanham”. Também
“a ira reprimida e conservada é uma
emoção destrutiva e negativa que pode causar doenças físicas”. A duração da
raiva, varia de uma irritação passageira, a um rancor prolongado; num
termômetro imaginário da raiva, a temperatura vai num crescendo, de expressões
como incomodado → irritado → frustrado →
exasperado → desgostoso → ressentido →
amargurado → oprimido. Os conflitos interpessoais e um ego inflado e contrariado,
são os combustíveis mais comuns de uma crise de raiva, e, que pode ser provocada
até por um amigo que nos contraria circunstancialmente. Ficamos também com
raiva de nós mesmos, quando nossas expectativas se frustram. Ficamos com raiva
da injustiça social à nossa volta, como também com as manifestações de
violência da Natureza, como tsunamis, etc. Enfim, ficamos com raiva de Deus. Toda
estas facetas caracterizam o que aqui chamamos
raiva (ira, cólera, e sentimentos afins) que
mata.
A ira é essencialmente uma emoção, um sentimento, e, enquanto tal, não
é intrinsecamente nem má, nem boa. O que
ocorre, é que esta emoção, frequentemente, é obscurecida e distorcida por causa
da nossa velha natureza corrompida, ensejando desejos, exigências e
expectativas egoístas (o que a Biblia chama de pecado). Também influem no modo
como lidamos com a ira, os modelos de família que tivemos, os exemplos assimilados
com outros, particularmente aqueles que estão mais próximos, e bem assim, nosso
temperamento. Alimentadas e conformadas por este conjunto de influências, temos
então a gênese da raiva que mata, sendo a
ira, a cólera e a fúria modulações desta raiva. Na Biblia usam-se três
palavras para descrever a ira: thymos, orgé e parogismo. Thymos é um estado de grande agitação, uma explosão de
indignação interior. Vem à tona rapidamente. Seu nome deriva do enfurecer-se e
ferver da alma. O aspecto característico de thymos é que é muito violento,
porém breve. Não é ira acumulada há muito tempo; é como fogo de palha,
rapidamente aparece e rapidamente se vai. Thymos é uma palavra com potencial
quase ilimitado para o bem e para o mal. Pode descrever uma qualidade sem a
qual nenhum bom caráter pode florescer. Está também relacionado com a justa
indignação diante do erro. É como a dinamite que pode ser bem usada para abrir
caminho através de obstáculos por meio de explosões, ou para reduzir uma cidade
a ruínas. Orgé é um estado mental definido ou permanente; aparece
lentamente. Tem tendência vingativa e natureza duradoura, acalentando a
lembrança do mal. Parogismo é uma forma mais forte de orgé. Traz a idéia
de ressentimento justo e “tremer com forte emoção”. Irritação e exasperação.
A
dádiva da ira. Nem
toda ira é maligna, conforme evidencia-se da ira de Deus que sempre é santa e pura, controlada e com
um propósito justo, servindo antes para corrigir um erro, e que a Biblia também
chama de pecado. Assim, podemos vislumbrar a ira santa de Jesus expulsando os vendilhões
do Templo, ou, chamando os fariseus e seu discípulos de tolos. Nós também podemos
sentir a ira justa. Expressões de ira santa na Biblia podemos encontrar no
confronto entre Davi e Golias (Quem é, pois, este incircunciso filisteu, para
afrontar os exércitos do Deus vivo?); ou, quando Moisés quebra as tábuas da Lei, em
protesto contra a idolatria que se instalara entre o povo, enquanto o
aguardavam; ou Elias desafiando os falsos
profetas de Baal. Este são alguns exemplos consubstanciando a dádiva da ira.
Contudo, a Biblia nos adverte que, até mesmo a ira justa seja tardia em
aparecer e rápida em desaparecer .
Todas
nossa emoções, até mesmo a ira, são
dadas por Deus. Neste
sentido, Ele nos deu a capacidade emocional para a ira. Mas, Deus não é responsável por nossas explosões de
ira. Podemos escolher o que fazer com ela. Veja a pessoa que grita: você me
deixa com tanta raiva que eu podia estrangulá-la!. Ela jamais diz: eu deixo a
mim mesmo com tanta raiva que eu poderia estrangulá-la. Deus nos deu nossas
emoções. Podemos usá-las para ajudar a nós mesmos e aos outros, ou, para magoar
a nós mesmos e aos outros.
A necessidade de diferenciar
entre ira (um sentimento) e raiva que mata (hostilidade,
agressão, comportamento que se origina do sentimento). A Biblia nos adverte: “Irai-vos, e não pequeis; não se ponha o sol sobre a
vossa ira”(Efesios 4.26). A
ira tem o potencial para levar-nos a pecar. O ponto crítico ocorre quando
transformamos os sentimentos de ira, em atos agressivos e hostis, o que nos
leva ao pecado. A segunda parte nos adverte que a ira,
quando vem, deve ir logo.
A
gravidade da ira. O senso comum julga sem maior gravidade pensamentos
e as palavras proferidas, reservando a condenação apenas para os atos. Mas não
assim Jesus, que nos adverte “Ouvistes que foi dito aos antigos: Não
matarás; mas qualquer que matar será réu de juízo.Eu, porém, vos digo que qualquer
que, sem motivo, se encolerizar contra seu irmão, será réu de juízo; e qualquer
que disser a seu irmão: Raca, será réu do sinédrio; e qualquer que lhe disser:
Louco, será réu do fogo do inferno” (Mateus 5.21-26). “A referência de Jesus é à ira injusta, à ira
do orgulho, da vaidade, do ódio, da malícia e da vingança. Os escribas e
fariseus estavam procurando restringir a aplicação do 6º Mandamento (Não
matarás) apenas ao ato do homicídio. Mas Jesus discordou deles. A verdadeira
aplicação incluía pensamentos e palavras, além de atos; cólera e insultos, além
de homicídio. Quem disser a seu irmão, você raca (= tolo, imprestável,
miserável, insensato) seu estúpido! você não vale nada... quem chamar seu irmão
de idiota, imbecil. Estas coisa, pensamentos coléricos e palavras insultuosas
talvez não levem nunca à consumação do ato homicida. Mas, diante de Deus, são
equivalentes ao homicídio”. Jesus não advoga que a ira seja punida com a morte,
mas ilustra, com essas palavras, quão sério era para ele esse pecado. A
presença da ira indica a falta de amor. O amor ao próximo foi classificado como
2º Mandamento na ordem de importância. E, sendo a ira e o insulto tão sérios e tão perigosos, então devemos fugir
deles como se fossem praga e tomar precauções o mais rapidamente possível.“
A
praticidade disto é destacada por Jesus, que, na sequência, apresentou uma
ilustração com a pessoa que vai ao templo oferecer sacrifícios a Deus.
Traduzindo em palavras atuais: “Se você estiver na igreja, no meio de um culto
de adoração, e de repente se lembrar de que seu irmão tem um ressentimento
contra você, saia da igreja imediatamente e vá fazer as pazes com ele. Não
espere que o culto termine. Procure seu irmão e peça-lhe perdão. Primeiro vá
reconciliar-se com o seu irmão, depois venha e ofereça sua adoração a Deus”.
Esta é a ordem certa das coisas, mas,” com que raridade atendemos à chamada de
Cristo para a ação imediata! “
Fonte: A ira, uma opção, Tim
LaHaye; As obras da carne e o fruto do Espírito, William Barclay; Contracultura
cristã, John Stott
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