Muitas motivações nos impelem às ações, e,
dentre estas, o hábito, a necessidade, o interesse, o dever, e o prazer;
destacamos aqui estas duas últimas, com as quais fazemos as seguintes
associações imediatas: com o dever, o trabalho, e de uma forma geral todas as
atividades ditas produtivas; e, com o prazer, o sexo, o lazer, e de uma forma
geral as atividades lúdicas. Se buscarmos no dicionário popular, encontramos
que dever é ter de..., estar obrigado a fazer ou
deixar de fazer alguma coisa, imposta por lei, pela moral, pelos usos e
costumes ou pela própria consciência. “Na vida cotidiana, a palavra dever
geralmente significa uma obrigação pouco bem-vinda, como pagar impostos; logo,
o nosso deleite é, comumente, encontrado em algo diferente daquilo em que
pensamos como sendo o cumprimento do nosso dever.” Já prazer é uma sensação de bem-estar; e, que, normalmente ensejam
que as pessoas demonstrem alegria ao sentir prazer. Comumente julgamos, não obstante, que o dever
é uma motivação maior, e o prazer conquanto naturalmente desejado, alguma coisa
menos digna. Mas isto nem sempre é assim.
John Piper em seu livro “Teologia da Alegria”, discorrendo sobre o prazer, ilustra situações
comuns, quando o dever como motivação pode ser até uma afronta, e o prazer o
motivo acertado, e, que faz toda a diferença:
“Pense na analogia do aniversário de casamento. Imagine que nesse dia eu traga
para casa uma dúzia de rosas vermelhas de cabos longos para a esposa. Quando
ela abre a porta para mim, eu lhe estendo as rosas, e ela diz: Oh, amor, são
tão lindas. Obrigada!, e me dá um forte abraço. Imagine que eu levante minha
mão e diga, como quem não quer nada: não foi nada. É minha obrigação. Qual é o problema
aqui? O exercício do dever não é algo nobre? Não honramos aqueles que são fiéis
cumpridores do dever? Não muito. Não se não estiverem com o coração na coisa.
Rosas por obrigação são uma contradição de termos. Se eu não for movido por um
afeto espontâneo por ela como pessoa, as flores não a honram. Na verdade, a
diminuem. São uma tentativa inútil de encobrir o fato de que ela não tem valor
ou beleza aos meus olhos para despertar afeto. Tudo o que eu consigo produzir é
uma expressão calculada de dever matrimonial. Ou imagine um marido perguntando
à sua esposa se tem de beijá-la antes de ir dormir. Ela responderá: você tem,
mas não por obrigação. O que ela quer dizer é isto: - se não for motivado por
um afeto espontâneo por mim, suas propostas estarão despidas de qualquer valor
moral”. Como terceiro exemplo, se eu levo a minha esposa para jantar fora no
dia do nosso aniversário de casamento, e ela me pergunta: por que você está
fazendo isso? A resposta que mais a honra será esta: porque nada me deixaria
mais feliz esta noite do que estar com você. É minha obrigação é uma desonra
para ela. É meu prazer é para ela uma honra. É exatamente isso como devemos
honrar a Deus na adoração? Dizendo é minha obrigação ou é meu prazer?” O que
estas situações têm em comum é o prazer de dar prazer, que vai muito além do
prazer egoísta, e, como tal deseja ser considerado.
A
religião também costumamos associar com o dever,
nem sempre prazeroso, o que é um grave equívoco. A obra de Deus até pode ser
encarada por alguns como um dever, pois de fato somos mesmos devedores a Deus, e
neste sentido jamais poderíamos pagar a nossa dívida que levou Jesus Cristo ao
sacrifício vicário na cruz, símbolo maior de vergonha e dor; mas esse ainda não
é o real motivo que o Senhor almeja encontrar no nosso coração. Gratidão seria o termo mais adequado
para caracterizar qual deveria ser nossa resposta ao amor com que “Deus amou o mundo de
tal maneira que deu o Seu Filho unigênito para que todo aquele que nEle crê não
pereça mais tenha a vida eterna.” Gratidão que desperta o maior prazer. O prazer cristão, não quer dizer que Deus se torna um
meio de ajudar-nos a conseguir prazeres mundanos. O prazer cristão é o próprio
Deus. O objetivo do prazer cristão é ter o maior prazer no único Deus, evitando
assim o pecado da cobiça, que é idolatria. Esse é o sentimento que Deus
procura em nós, que nos faz concluir com excelência e convicção a nossa chamada
para sermos seguidores de Jesus Cristo, o que respondemos alegremente por
prazer em o ser. Deus também espera que tenhamos
prazer em servir uns aos outros, situação que é quase um lugar comum na vida
dos santos.
Gratidão
que desperta o prazer na adoração a Deus.
Prossegue
John Piper: “Sim, temos de adorá-lo, e, o
principal propósito do ser humano é mesmo glorificar a Deus, ao alegrar-se nEle
para sempre. Mas não por obrigação”. O
verdadeiro adorador é aquele que atendeu ao convite do salmista: “Alegrai-vos no Senhor e regozijai-vos”. A
razão de esse ser o verdadeiro ato de adoração é que ele honra a Deus, o que
não acontece com a realização vazia de um ritual... Eu não digo que amar a Deus é bom porque traz alegria. Eu digo que Deus
ordena que encontremos alegria amando a Deus (“Deleita-te
também no Senhor, e te concederá os desejos do teu coração”). Eu não
digo que amar as pessoas é bom porque traz alegria; eu digo que Deus nos ordena
que encontremos alegria em amar as pessoas.
Prazer
que qualifica a fé que agrada a Deus, a saber, a certeza de que, se nos voltamos para ele,
encontramos a pérola de grande valor pela
qual damos tudo que temos. A fé
salvadora é a convicção sentida pelo coração de que Cristo não é somente
confiável, mas também desejável. Na conversão encontramos o tesouro oculto
do Reino de Deus. Arriscamos tudo nele. E, ano após ano, nas lutas da vida,
comprovamos repetidamente o valor do tesouro e descobrimos novas profundidades
de riquezas que não conhecíamos. Assim, a alegria da fé cresce. Quando Cristo
nos chama para um novo ato de obediência que nos custe algum prazer temporal,
lembramo-nos do valor insuperável que é segui-Lo e, pela fé no seu valor
provado, esquecemos o prazer mundano. E assim avançamos de alegria em alegria,
de fé em fé. Por trás do arrependimento que dá as costas ao pecado e por trás
da fé que se entrega a Cristo, está o
nascimento de um novo gosto, de um novo anseio, de uma nova paixão pelo
prazer da presença de Deus. Essa é a raiz da conversão. Achamos o prazer eterno
do nosso coração. Implica que sob e por trás do ato de fé que agrada a Deus foi
criado um novo gosto. Um gosto pela
glória de Deus e pela beleza de Cristo. Antes não tínhamos prazer em Deus e
Cristo era apenas uma vaga personagem histórica. O que apreciávamos era comida,
amizades, produtividade, investimentos, férias, lazer, jogos, leituras,
compras, sexo, esportes, arte, tv, viagens, mas não Deus. Ele era uma idéia;
mas não era um tesouro de prazer.
Poderíamos concluir, acrescentando, que a
intensidade e a regularidade do prazer com que seguimos a Cristo poderia ser um
indicador da verdadeira religião, isto é, daquela que agrada a Deus.
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