A famosa alegoria da caverna de Platão mostra a
situação dos prisioneiros acorrentados numa caverna, e, vendo unicamente umas
sombras que julgaram ser a realidade, como simbolizando a ilusão em que vivem.
Embora eventualmente liberte-se um preso de suas correntes, o caminho para a
verdade se apresenta como uma aventura dolorosa. O que Platão quis dizer com o
mito é que os seres humanos têm uma visão distorcida da realidade, e que
há um difícil caminho em direção à verdade, que, não obstante, libertaria do
erro.
Na Idade Média, esta caminhada tinha ainda o peso da
tradição, dominada pela autoridade religiosa; “quem se afastasse da doutrina da Igreja, era perseguido como herege
(caça às bruxas). O uso do poder para reivindicar o conhecimento verdadeiro, era
exercido pelos sacerdotes, alegando terem Deus do seu lado”. A História
registra a triste memória da Inquisição.
A virada veio com o Iluminismo no Seculo XVIII. Com
Descartes estabelece-se o domínio absoluto da razão que inaugura uma
nova era, chamada de Idade da Razão, e, que foi também uma reação à camisa de
força imposta pelo autoritarismo da Igreja na Idade Média. É sintomática a célebre
afirmação do Iluminismo de ter inaugurado um novo saeculum (“Novus ordo seclorum”, que posteriormente aparece na
nota de dólar americano). O conhecimento
obtido pela razão é, doravante, considerado como o único conhecimento
verdadeiro. Trata-se de um conhecimento conceitual, objetivo, impessoal, e
atemporal; desenvolve-se pelo raciocínio
claro, e exige sempre uma objetividade que é desapego e abstração das condições
do próprio sujeito, em detrimento das emoções, da imaginação, da
espiritualidade, etc.
Neste interim, a Reforma Protestante, impulsionada pela
Imprensa, recém descoberta, espalha a chama do livre exame da própria Biblia,
até então monopólio da Igreja. Deslancham também os Descobrimentos, inclusive
de outras Terras ainda não desbravadas pela civilização conhecida.
Os pontos fortes deste conhecimento pela razão,
incluem a derrubada das barreiras da
superstição, da opinião infundada, e, do fanatismo. Seus pontos fracos decorrem
dos exageros do Racionalismo extremado, que erigiu a razão em deusa. “O imperativo do racionalismo, sapere aude
(ousa ser racional), conduziu o ser humano a considerar a razão como uma
“deusa” (Viktor Frankl), simbolicamente
entronizada na Revolução Francesa
A reação ao Racionalismo
ocorre já no sec. XIX com uma corrente de pensamento que se denominou de
Existencialismo. Kierkegaard (1813-1855), filósofo e teólogo dinamarquês, é considerado um
dos pais do Existencialismo Cristão. Ele “critica
o papel fundamental que a razão sempre exerceu sobre a consciência ocidental, a
ponto de tornar-se a razão como equivalente da realidade” . Para ele, o
pensamento não tem sentido sem a ação. São as origens do Existencialismo,
corrente de pensamento que destaca antes o papel da existência, como fonte de
conhecimento, vis-a-vis ao conhecimento
conceitual.
Ponto forte do Existencialismo é a valorização dos
sentimentos; Pascal (1623 - 1662) físico, matemático, filósofo moralista e teólogo francês, pontifica: “O coração tem razões que a própria razão
desconhece”. E, “ é o coração que sente Deus e não a razão”.
Os pontos fracos ficam salientes nos exageros do emocionalismo em detrimento da
razão, como na visão distorcida de Hitler sobre a essência e ação da propaganda: “Esta deveria ser antes de tudo popular,
não devia dirigir-se às pessoas instruídas, mas unicamente e sempre à massa, e
para ser eficiente, seria necessário, além disso, que se centrasse em alguns
objetivos a serem repetidos, sempre, e sob a forma de slogans. Devia apelar
sempre para os sentimentos, jamais à razão, e renunciar expressamente a toda a
objetividade.”(Joachim Fest)
Para além do conhecimento ordinário, envolvendo mais
bom senso do que reflexão, “nos últimos séculos, e imbuídos de um tipo
de positivismo implícito, usamos saber e conhecer para o que julgamos poder
provar de alguma forma e acreditar para o que percebemos estar se degenerando
em mera opinião pessoal, sem muito apoio no mundo mais amplo”. Verdade
só através da Razão, e com o cientificismo,
exigindo como condição sine qua non,
objetividade e distanciamento do observador. Fica em segundo plano
qualquer outro tipo de conhecimento, como a crença, a inspiração artística,
etc.
N.T. Wright pontua que “todo o projeto que
conhecemos como modernidade, tendo os movimentos iluministas europeu e
norte-americano como seus carros-chefes, estava baseados no epicurismo. Os efeitos disso são visíveis não somente no
debate entre ciência e religião, mas em muitas outras áreas da vida,
principalmente a política”. (Epicuro, foi um filosofo grego do sec. III antes
de Cristo, segundo o qual “os deuses não
se preocupavam com nosso mundo, fosse para intervir nele ou para julgar seus
habitantes após a morte”). Outras visões distorcidas da realidade, estão presentes
na linguagem do dia a dia, e, refletem uma ética de conveniência (se é bom pra mim, tudo bem), o relativismo
moral (não existem verdades absolutas,
tudo é relativo), etc.
A
RELAÇÃO CONHECIMENTO E FÉ, alguns
destaques:
Jonathan Edwards (1703-1758), pregador congregacional, teólogo calvinista e
missionário aos índios americanos, considerado um dos
maiores filósofos norte-americanos. “Condenava
um conhecimento apenas conceitual, em favor de um conhecimento pessoal, sentido, cognitivo e vivencial. Insistia que
a fé humana não era uma questão de pertencer a uma Igreja, nem religiosidade
socialmente aceitável, mas, sim, uma questão do coração ativado pela vontade.
Segundo ele, as ações demonstram o verdadeiro cristianismo, praticar, não
apenas ouvir, a Palavra.”
Martim Buber (1878-1965), filósofo, escritor e pedagogo
austríaco. Conhecimento relacional: “O relacionamento homem-homem segue uma das duas
possibilidades: EU/TU e EU/ISSO. Se
analiso outra pessoa, ou a utilizo como objeto, para mim ela é um simples isso.
Se a deixo me influenciar com seu ser pleno através do diálogo, ela se torna um
tu. Minhas próprias mudanças dependem deste relacionamento. Eu/tu é um encontro
existencial, pessoas vivas se relacionando de modo a se conhecerem melhor, umas
às outras. Este deveria ser, a rigor, o relacionamento entre homem e homem, mas
também entre o homem e Deus. O homem deve encontrá-Lo existencialmente, e não
apenas intelectualmente”.
Joshua Heschel (1907-1972),
rabino austro-americano. Conhecimento
situacional. “Na procura da compreensão dos problemas religiosos, o rabino Joshua
Heschel se coloca numa linha de conhecimento que chama de “situacional”, porque
se ocupa com as situações, supõe uma experiência interior e procura, antes de
tudo, compreender os problemas que envolvem a nossa existência real. O
conhecimento situacional se distingue daquele que é predominantemente
conceitual, que se desenvolve pelo raciocínio, procura um aumento de
conhecimento do mundo exterior e exige sempre uma objetividade que é um desapego
e abstração das condições do próprio sujeito. O inicio do conhecimento
situacional não é a dúvida ou o desapego mas sim a admiração, o engajamento.
Se não nos comprometermos pessoalmente, o problema não terá presença”.
Dr.
Samuel Bergman (1883 –1975),
filósofo. “O conflito entre a fé e a razão, decorre de uma falsa compreensão da fé como uma origem especial da verdade, como
uma fonte de conhecimento objetivo e complementar à razão humana, mantendo-se
porém distinta desta e independente da mesma. A fé e o raciocínio foram assim
concebidos como fontes separadas da verdade e do conhecimento. A fé é uma
relação possuindo caráter imediato análogo ao existente entre o “eu” e o “tu”.
O crente busca a Deus e o encontra. Sabe que Deus tem para ele a mão estendida.
Fala a Deus e recebe uma resposta. Ora a Deus, com tanta certeza da sua existência,
como da sua própria, a do seu próximo. Não exige provas para esta certeza suprema;
porém se alguém lhe solicitasse provas, não poderia apresentar. Não pode
fornecer evidência objetiva para o que,
em seu coração, conhece como absolutamente verdadeiro e real.”
N.T.Wright
(1948 ), bispo anglicano. Conhecer pela Fé, pela
Esperança, e pelo Amor. “O amor é a
forma mais profunda de conhecimento. Todo conhecimento é um dom de Deus, tanto
o histórico e científico como o de fé, esperança e amor, mas o maior destes é o
amor; isto não significa que deixamos de acreditar em evidências e argumentos,
ou, na história e na ciência. Significa apenas que eles foram superados pela
realidade maior da qual se apropriaram, para a qual apontam, e na qual
encontrarão um lar novo e maior. Esse é o modo de conhecimento necessário, se
quisermos viver no novo mundo público, o mundo iniciado na Páscoa, o mundo em
que Jesus é Senhor e César não é”.
Palavras
de Jesus - “Conhecereis
a verdade e a verdade vos libertará”. E, “Eu sou o caminho a verdade e a vida.” Esta é a verdade que é possível
discernir através do conhecimento pela Fé, pela Esperança e pelo Amor. O
conhecimento alcançado pela Razão e pelo Coração podem, são insuficientes para
a apreensão dessa verdade.
Mais uma ótima postagem. Pena não ter mãozinhas aqui pra bater palminha. Elza
ResponderExcluirPostagem exelente e de grande profundidade,parabens.
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