quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

FORMAS DE OLHAR A VIDA


O olhar entediado (Eclesiastes)
A questão de fundo do livro é “o sentido da vida” (Religião existe também e principalmente para oferecer sentido – direção e significado – a vida. O sentido da vida abordado sob a ótica da vida que vale a pena ser vivida; “Eu queria saber o que vale a pena, debaixo do céu, nos poucos dias da vida humana” (2.3).
Eu, o mestre, fui rei de Israel. Dediquei-me a investigar e a usar a sabedoria para explorar tudo o que é feito debaixo do céu” (1:12-13).
Afinal a vida sem reflexão não faz sentido. Mas a vida com reflexão é o que? O Eclesiastes diz que é canseira, enfado, é correr atrás do vento. Mas ele não para por aí, e segue investigando e explorando, mesmo depois de chegar à conclusão que a vida é um absurdo.
Absurdo, fútil, inútil e injusto: essas são as qualificações que dá ao trabalho que o homem realiza debaixo do sol. O mundo que ele vê é repetitivo e enfadonho. Por um fim ao tédio é o desafio que o Eclesiastes propôs para nós. Precisamos vencer o tédio para que a vida ganhe sentido.
O Eclesiastes olha para o mundo e não capta sentido no que vê e no que faz, pois o que ele descreve é exatamente o que o mundo nos parece quando ficamos contaminados pelo tédio. Para o Eclesiastes o mundo é um processo de repetições enfadonhas, sem variações que atraiam o interesse, pois “não há nada de novo debaixo do sol”. Mas ele sugere também que não existe apenas uma maneira de viver. Se o tédio causado pela repetição é o problema, a solução é a experiência individual – a chance que cada um tem de fazer pela primeira vez o que as gerações anteriores têm feito há séculos.
(O livro mais mal-humorado da Bíblia, de Ed. René kivitz)

O olhar com sentido (Viktor Frankl)
O homo sapiens move-se entre o extremo positivo do sucesso e seu contrário negativo do fracasso. É bem diferente aquele que chamo homo patiens, e que move-se ao longo do eixo perpendicular entre os dois pólos da realização (de si através de um sentido) e do desespero (falta aparente de sentido para a própria vida.
Os caminhos através dos quais podemos encontrar sentido são: vivenciando, ao nos entregarmos a uma obra, tarefa ou pessoa; ou criando, ao nos dedicarmos a uma obra, tarefa ou pessoa. Os valores vivenciais e os criativos são os meios que usamos para dar uma forma plena de sentido à nossa vida. Em ambos os casos, o sentido é uma forma de dedicação ou entrega a um valor, e, se isto não for possível, se nossa capacidade de trabalho e de prazer estiver perdida, abre-se, apesar de todos os reveses, uma nova possibilidade, aquela de, através de nossa atitude, lutar por um sentido pessoal, o mais pessoal de nossa vida ( o sentido que é possível encontrar em um sofrimento).
Viver com sentido significa, de maneira bem simples, realizar a tarefa que surge num dado momento. A tarefa pode consistir em nada fazer numa determinada hora, descansar, ouvir música, saborear uma boa refeição No momento seguinte, a tarefa pode ser, a de dar assistência a alguém ou realizar um trabalho. Viver com sentido, significa descobrir o melhor valor possível dentro de uma situação e realizá-lo.
Não se trata de qualquer valor, escolhido ao acaso, mas aquele que, nesta situação, é considerado, pelo meu conhecimento e minha consciência, como sendo o melhor valor. O sentido é então sempre aquilo que especificamente deveríamos fazer agora, aquilo que, em um dado momento, deveria ser feito. A possibilidade de sentido é sempre uma oferta ou um apelo daquele momento.
(Em busca de sentido, de Viktor Frankl)

O olhar atento (Josep Esquiró )
A essência do respeito é o olhar atento. Paradoxalmente a total facilidade de olhar contrasta com a dificuldade de olhar bem. Ver somente o mero visual, quase não custa nenhum esforço (daí o êxito da TV), enquanto que olhar bem, custa muito; dirigir o olhar e concentrar-se em algo já supõe um esforço e acarreta portanto um cansaço. O movimento da atenção não é freqüente, mas raro. Na maioria das vezes tendemos a tratar as pessoas e as coisas automaticamente, seguindo normas de conduta assumidas, geralmente, de forma acrítica. Mas, com esse modo de proceder, as coisas na realidade não se mostram a nós, ou a fazem apenas superficialmente.
A atenção dota o olhar de um significado moral. Atenção é o primeiro movimento com significação ética. O respeito requer uma atenção e a atenção um acercamento, uma aproximação.Quem presta mais atenção melhor se orienta e mais respeita. O caráter fundacional do respeito situa-o no mesmo nível de importância que se costuma reconhecer à capacidade técnica. O respeito junta com a justiça é elemento indispensável para criação da sociedade. O respeito ocupa um lugar importante na atitude moral do ser humano; a mesma importância que se dava ao amor à piedade ou ao egoísmo. Movimento de respeito vs indiferença e a avidez de posse e de consumo.


O olhar com admiração (Joshua Heschel)
O rabino Heschel nos propõe resgatar o olhar da criança e o reaprendizado que é o espanto frente ao deslumbramento da criação na trilha do maravilhoso mistério e no ato divino, que a tudo envolve desde a primeira inspiração. A percepção em relação ao divino começa com a admiração; e o caminho para a fé conduz a atos de completa admiração. Admirar vem do grego thaumázein, que significa ver e, no ato de ver, sentir o estranhamento do que aparece. O que nos enche de maravilhado assombro não é o que compreendemos e somos capazes de comunicar, mas o que se situa dentro do nosso alcance e ao mesmo tempo está além da nossa compreensão. A admiração é um estado da mente em que não olhamos a realidade através da treliça de nosso conhecimento memorizado e cristalizado. O termo admiração é derivado de miraculum – milagre. O que nos falta não é a vontade de crer, mas a vontade de admirar. Este é um dos objetivos do modo judaico de viver: vivenciar os atos comuns como aventuras espirituais para sentir o amor à sabedoria que está oculto em todas as coisas.
(“Deus em busca do homem”, de Abraham Joshua Heschel)

2 comentários:

  1. Péricles,

    é isso aí. Para quem se considera um "leigo" em computação, você está se virando muito bem!

    Assisti com interesse a sua aula na Escola Dominical, pois recentemente andei (re)lendo um "clássico" da literatura cristã (J.I. Packer - "O Conhecimento de Deus") e ele menciona Eclesiastes em um de seus capítulos (sobre a Sabedoria Divina). Eis o que Packer escreve:

    "O que o pregador quer mostrar [...] é que a base real da sabedoria é o reconhecimento sincero de que o curso do mundo é enigmático, que muitas das coisas que acontecem são inexplicáveis e muitas das ocorrências 'debaixo do sol' não têm qualquer sinal exterior de uma ordem racional e moral para elas. [...] O Deus que rege tudo, se esconde. Raramente este mundo se parece com um lugar que esteja sendo dirigido por uma Providência benevolente. [...] Pois a verdade é que Deus, na sua sabedoria, para nos manter humildes e para nos ensinar a andar pela fé, escondeu de nós quase tudo o que gostaríamos de saber a respeito do propósito providencial que ele está realizando nas igrejas e nas nossas vidas. [...] Mas, neste caso, o que é sabedoria? [...] 'Teme a Deus e guarda os seus mandamentos' (12:13); confie nele e lhe obedeça, respeite-o e o adore, seja humilde diante dele e nunca diga mais do que o necessário e do que pretende cumprir quando ora diante dele (5:1-7); faça o bem (3:12); lembre-se de que Deus algum dia lhe pedirá contas (11:9; 12:14); evite, então, mesmo em segredo, coisas das quais se sentirá envergonhado se vierem à luz quando Deus vier julgar (12:14). Viva no presente e goze completamente a sua condição (7:14; 9:7; 11:9); as alegrias de agora são bons presentes de Deus. Embora Eclesiastes condene a leviandade (7:4-6), ele claramente não tem tempo para a superespiritualidade que é muito orgulhosa ou 'piedosa' para poder rir e se alegrar. Busque a graça para realizar corretamente qualquer coisa que a vida lhe ofereça (9:10) e tenha prazer neste trabalho (2:24; 3:12; 5:18; 8:15). Deixe os resultados por conta de Deus; deixe que ele os avalie; a sua parte é usar todo o bom senso e criatividade a seu dispor para explorar as oportunidades que estão à sua frente (11:1-6). Isto é sabedoria." (págs 94-95).

    Desculpe pelo comentário longo! Abraços,

    Luiz Augusto

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  2. O maior sentido da vida está nas relações humanos.
    Ab,
    Marluci

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